Oficina de escrita rende contos e descobertas
05 DE julho DE 2019

Foi com a felicidade do trabalho bem realizado que aconteceu o término da oficina de escrita criativa conduzida por Ivana Arruda Leite na BSP. O encontro final foi realizado na varanda da biblioteca e pegou de surpresa os participantes que, em luminosa tarde de sol e calor, receberam a proposta de produzir um último conto sobre morte.
Os alunos e a escritora compartilharam, então, não só textos, mas reflexões sobre a vida, enquanto ouviam os sons das crianças brincando vindos do parque. Marlind Freitas, engenheiro aposentado, e Zeca Nolf, que trabalha com produção cultural, aproveitaram as aulas para exercitar a escrita, experimentando estilos e trocando impressões sobre temas e as relações com a literatura. Zeca resumiu a experiência: "Essa oficina foi excelente! Uma ótima oportunidade para exercitarmos a escrita e com o privilégio de termos a orientação da Ivana."
Sentaram-se no banco da praça para descansar. A mãe e o filho. Apesar de ser um caminho já conhecido para ele, aquele era, particularmente, cansativo. Irregular, com buracos e saliências que a cegueira lhe dificultava. A mãe, em silêncio, respirava aliviada. Finalmente, uma sombra fresca para amenizar o calor. O menino, na sua escuridão, aprendera a apreciar as pequenas sensações. Ouvia com gosto os pássaros ao redor, a brisa fresca no rosto. Os sons, quaisquer que fossem, se transformavam em música para os ouvidos. E até mesmo a água tinha, para ele, um gosto especial. Era quieto, introvertido. Amigos? Não. Passava os dias, então, solitário. Rádio, CD, música. Sempre a música. E os livros em braile, que já começavam a lhe fazer companhia. Em meio a tudo isso, os passeios ao ar livre eram, sem dúvida, seu divertimento preferido. Na praça gostava de ouvir os gritos dos meninos nos jogos de bola, os gritos de gol. Sonhava, um dia poder jogar com eles, mas se conformava com seus limites. Ficava quieto, os sons a lhe embalar a alma. E ali, de repente, o repicar de uma bola a se aproximar em sua direção. -Você quer jogar também? - Aquele convite amigo o despertou. Sim, como gostaria! Haveria de aprender. Correr pela quadra, chutar a bola. Mesmo sem enxergar, daria um jeito de aprender. Teve vontade de dizer – Posso tentar. Você me ensina? - Mas a mãe. A mãe, feito um escudo, logo se adiantou –Ele não consegue, não enxerga. - E o menino, então, se recolheu ao seu silêncio, de volta à escuridão, torcendo para, um dia, ouvir novamente os gritos de gol e o repicar de uma bola em sua direção."
“17 andares , de Zeca Nolf
Saio e tranco a porta. Duas voltas. Sempre dou duas voltas na chave. Acho mais seguro. Chamo o elevador e espero. Está parado no vigésimo quinto, último andar. Penso se alguém mais vai descer. A espera é longa. Acredito estarem segurando a porta. Dou umas batidas mas parece que não ouvem. Vigésimo quinto andar ainda. Espero mais um pouco. Finalmente, quando já estava ficando impaciente, a luz da botoneira indica que está descendo e o elevador se põe em movimento. 17 e entro. Vazio. Confesso, meio frustrado, que esperava por algum vizinho também de saída. Incrível que, morando há anos neste prédio, nunca encontrei qualquer vizinho no elevador. Nem mesmo alguém em visita, ou serviço. Ninguém. Não me incomodo de morar sozinho e não ter com quem conversar. Mas no elevador, no elevador é diferente. Bom dia, comentários sobre o tempo, o frio que vai fazer, o calor que está insuportável, até que enfim uma chuvinha pra refrescar e umedecer este ar tão seco. Você viu o valor do condomínio deste mês? Um absurdo! Descendo, posso ouvir vozes nos andares mas o elevador continua o seu movimento. Olho para as paredes, o teto. O tapete é o mesmo. Detalhes já tão conhecidos por anos. E esse cheiro. Desde o primeiro dia em que entrei aqui, o mesmo cheiro. Um perfume de passado. Vejo-me no espelho. Olho nos meus olhos, fiel companhia, a única nesses anos. Minto que não me incomodo com a solidão. Faz falta, sim, um vizinho amigo para ajudar a segurar as sacolas do supermercado. Faz falta o bom dia, a conversa fiada. O espelho me lembra da lista de coisas a fazer, olhar a correspondência, as contas a pagar. Vou me perguntando como será o dia de hoje. Se já li o jornal do dia, o que irei almoçar, a que horas voltarei. Olho o relógio. Cedo ainda. Pego o celular mas desligo logo em seguida. Nenhuma novidade. Ninguém para reparar que a camiseta está meio manchada, a calça surrada, a maleta, precisando de uma nova. Só esse espelho a me observar. Que tanto me olha? Parece que nunca me viu. O que estará pensando? A botoneira acende. Oitavo andar. Acho que, finalmente, alguém vai pegar o elevador. Eu então me aprumo, fico aguardando pelo companheiro de cela. A porta se abre mas, ninguém. Mantenho-a aberta por uns instantes. Virá alguém? Alarme falso. Desisto. Rumo ao térreo novamente. Que sina será essa? Volto a conversar com meu leal companheiro. 17 andares. Agora noto os cabelos brancos. Muitos. Os olhos já sem brilho e nem percebi o tempo passar. Ou serão 17 anos? O espelho é implacável e o tempo não dá trégua. A cada andar, a vida se esvai. Dores pelo corpo. Novamente só. 17 andares e só. De repente o tranco dos cabos de aço e a sineta avisando que cheguei ao térreo. Me viro apressado, sem nem me despedir do amigo e saio. Sigo em frente sem vizinhos no caminho. O porteiro, distraído, organizando as correspondências no balcão. Invisível, abro a porta e alcanço a rua. O sol forte a me ofuscar os olhos."
"A espada justiceira, de Marlind Freitas.
Pedro, João. Vizinhos de casa. Inimizade no limite dos lotes.
- O senhor avançou meia parede...
Inimigos na política, ademarista e juscelinista. Não iam `as vias de fato, devido `as esposas. Ana Maria e Letícia, ao contrário, eram amicíssimas. O marido de Ana Maria estava fora.
Pedro e Ana tinham dois filhos.
- Pai viajou, não levou a maleta preta.
O homem transportava cinco punhais nas idas para o sertão, sítios e pequenos povoados. Para defesa. Em casa Pedro era severo na criação dos filhos. Pouco adiantava.
- Pegou? Pega o grande. Um pra mim, um pra você. Quero o corneta de mola forte, preto. Afiado. 30 centímetros.
- Me dá o de lâmina triangular. Igual adaga, que cangaceiro leva na cinta. Vamo no mamoeiro na beirada do terreno, tá verdinho.
Mãe tinha ido na comadre, longe, passar a tarde.
- Eu começo... tiuuum... no tronco, a lâmina abria um talho, descia a seiva.
- Minha vez ... tiuuum... outra punhalada certeira. E mais outra e outra.
Mamoeiro sangrava. E mais... essa... tome... pegou... nossa... sai, sou eu... agora vou mirar no mamãozinho no cacho aquele alto e tiu... errou.
- Vixe... num pegou.
O punhal desviou, passou fora da árvore e foi por cima da separação entre as casas. Atravessou o corredorzinho, seguiu como míssil por uma janela aberta na cozinha da dona Letícia. Fez uma curva, desceu. De uma pancada só, cravou na mesa do cômodo. Na hora da oração, da refeição da família. Todos pularam. Olharam estarrecidos. Não acreditavam no que viam! Uma espada, vinda do alto com violência, fincou no centro da mesa de jantar!
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Era um aviso do céu, pra punir algum pecador. Quem não cumpria os preceitos sagrados. Alvoroço geral, gritos, desmaio, corre corre. Batiam no peito, choravam. Ajoelhavam, oravam. Clamavam, pediam perdão. A arma impassível espetada.
Os dois garotos se escafederam. Passaram-se uns dias, Leticia contou pra Ana.
- Imagina, Deus não faz isto!
Tempos depois, Ana levou uns docinhos pra comadre, acaso viu o punhal ao lado do tanque.
- É do meu marido, que tá fazendo aqui?
Ficou pior, Leticia achou que Pedro teria jogado pra matar João.
- Como? Pedro ta viajando. Ele não é disso!
- Bom, se não tem explicação, explicado tá. Combinaram esquecer o assunto. A história morreu.
- Ainda bem que não matou ninguém!
Ana determinou aos filhos, era para falar se perguntassem: to sabendo nada não. Um olhou pra cara azeda do outro, sim senhora.
A política fervia. Pedro retornou, só se interessava pelas campanhas que infestavam as ruas. Vote para presidente Lot, Juscelino, Ademar de Barros. Juscelino se elegeu. Construiu Brasília.
Pedro nunca mais se lembrou do punhal corneta. Nem os moleques queriam ouvir falar! O mamoeiro secou e se acabou, esquecido na divisa.
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Quadros representam a religiosidade do povo.
FIM"
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