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Ziraldo é celebrado no programa Segundas Intenções Especial

10 DE junho DE 2024
Crédito: Saul Nahmias / Divulgação | Da esq. para dir.: Lorena Kaz, Marcelo Alencar, Fernandes e Attílio na BSP

No último sábado (8), o auditório da Biblioteca de São Paulo (BSP) transformou-se no palco do programa Segundas Intenções Especial, que prestou uma homenagem emocionante ao multiartista Ziraldo (1932-2024). Mediado pelo jornalista Marcelo Alencar, o evento reuniu os ilustradores Attílio, Luiz Carlos Fernandes (conhecido como "Fernandes"), e a escritora e ilustradora Lorena Kaz, proporcionando um rico bate-papo sobre as memórias e influências de Ziraldo. 

Lorena Kaz compartilhou lembranças pessoais e divertidas de sua infância ao lado do tio, destacando a espontaneidade e originalidade que sempre marcaram a personalidade e o trabalho de Ziraldo. Attílio relembrou o impacto avassalador ao ver pela primeira vez a Supermãe, uma criação de Ziraldo que mudou sua trajetória de vida, levando-o a se dedicar à ilustração. Fernandes destacou como o trabalho em uma banca de jornal na juventude lhe deu acesso a obras transformadoras como O Pasquim e a Turma do Pererê, creditando a Ziraldo a inspiração para seguir a carreira nas artes gráficas. 

A conversa também explorou a influência duradoura de Ziraldo nos trabalhos atuais dos convidados e a profunda admiração que nutrem pelo seu legado, refletindo sobre personagens icônicos como Pererê, Bichinho da Maçã e Jeremias. Em breve, os melhores momentos deste encontro estarão disponíveis no canal do YouTube da BSP, oferecendo ao público uma oportunidade única de reviver essa celebração da genialidade e do impacto cultural de Ziraldo.

Confira alguns dos melhores momentos do encontro:



Marcelo Alencar - Qual é a primeira lembrança que vem à memória de vocês quando falo de Ziraldo?

Lorena Kaz - De experiência pessoal, é a espontaneidade, aquela coisa sem filtro… Acho que estou aqui representando as novas gerações da nossa família, que tem muitos artistas. Eu sou filha do Geraldinho, que é o irmão mais novo do Ziraldo. Tenho lembranças, e até traumas de infância, dessa espontaneidade que era muito marcante para mim. Sempre que eu ia apresentar um namorado para o tio, vinha uma piada que me deixava embaraçada e envergonhada. Então, para mim, era assim: "Ai, meu Deus, vamos lá! Festa de família com meu tio, vamos ver o que ele vai dizer". Essa é a minha lembrança mais marcante de eventos familiares, a espontaneidade que, na verdade, também fazia parte do trabalho dele. Para uma pessoa ser genial, ser original e espontânea é um grande diferencial, porque as pessoas que tentam imitar nunca chegam naquele lugar da pessoa que é simplesmente espontânea, que não tem vergonha, que tem autoestima e fala o que pensa. Para mim, ele falava o que vinha na cabeça, não tinha filtro, e eu acho que isso é uma grande parte da genialidade do seu trabalho: a originalidade e a espontaneidade.

Attílio - A primeira coisa que consigo lembrar do primeiro contato com Ziraldo foi a Supermãe. Eu tinha 15 anos quando comecei a trabalhar com desenho e abri uma revista Cláudia, deparando-me com uma página da Supermãe! Lembro até hoje do impacto que foi olhar aquilo. Nunca tinha visto nada assim. Quando bati o olho, foi um soco no estômago! Tudo o que eu tinha planejado foi por água abaixo. Minha intenção era virar arquiteto; a arquitetura foi para o espaço e a "culpa" é do Ziraldo! (risos). Ele foi um norte, uma estrada que se abriu. A bússola que ele apontou foi o que determinou tudo…


Fernandes - Tem três coisas que eu amava quando era pequeno: jogar bola, fazer escultura e desenhar. Eu tive a sorte de trabalhar nos anos 1970 numa banca de jornal do meu primo, em Avaré. Ele recebia as revistas e distribuía para outras bancas.  Aquele era o meu Google da época, tinha tudo o que eu precisava. Acho que fui o primeiro em Avaré a ler O Pasquim, o primeiro a ler a turma do Pererê. Talvez o Ziraldo tenha sido um dos responsáveis por eu ter ido para as artes gráficas.


Marcelo - De que maneira vocês sentem a influência de Ziraldo em seus trabalhos?


Lorena Kaz - Eu sou 50 anos mais nova que meu tio, e sinto que fui influenciada por pessoas que foram influenciadas pelo Ziraldo. Eu não tive idade para vê-lo na ativa e ser uma novidade para mim. Não pude falar "nossa, olha esse traço". Mas, por exemplo, fui muito influenciada pelo Ota, que fazia a revista Mad. Quando eu era criança, essa foi a primeira revista que eu lia. Eu era muito pequena, não sabia ler, tinha uns 6 ou 7 anos e ainda não entendia muito bem, mas era apaixonada pela Mad. Nessa época, eu morava no Rio de Janeiro e morei lá até 10 anos atrás. Depois, tive a oportunidade de conhecer o Ota por causa do Ziraldo, numa exposição no CCBB sobre heróis. Era incrível como o Ota era apaixonado pelo meu tio. É engraçado porque meus ídolos eram apaixonados pelo meu tio. Então, eu sinto que fui influenciada de forma meio diluída, por pessoas que se inspiraram nele e eu me inspirei nessas pessoas. Eu adoro fazer fonte à mão, adoro escrever à mão, e faço quadrinhos também. Faço livros infantis e histórias em quadrinhos, mas com outros temas. Ziraldo tinha uma preocupação com temas atuais e política. Eu também tenho essa preocupação, mas hoje são outros temas. Como sou mulher, estamos num momento de falar muito sobre machismo, patriarcado, dependência emocional, o cotidiano da mulher e a formação da autoestima feminina na nossa sociedade. Então, peguei temas que são atuais agora e me sinto um pouco militante política nesse sentido, através dos quadrinhos. Sinto que sou realmente uma sucessora de alguma forma.  Tenho mais de 20 primos do lado do meu tio Ziraldo, e todos são artistas, mas eu sou a única pessoa que faz quadrinhos. Sinto que tenho a obrigação de continuar fazendo isso para homenageá-lo. 


Marcelo - Attílio, vi uma postagem sua no Facebook que eu jurava que o desenho era do Ziraldo, mas era seu! Você ainda nota o estilo dele em seu traço?


Attílio - A resposta é sim. O esforço que tive que fazer foi no sentido contrário, foi chegar num determinado momento e me libertar daquilo porque o que começou como um norte que me abriu os caminhos, depois de um certo tempo, gerou uma assombração. Pode parecer assustador o que estou dizendo, mas é porque comecei a copiar desesperadamente o desenho dele. Eu lembro de pegar cada desenho, cada ilustração e me preocupar só com o desenho, não com o caricaturista ou chargista, pois nunca foi minha pretensão. Eu queria fazer o desenho. Pegava o desenho e ficava olhando: que pincelada foi aquela, como ele fez aquele descarregar de tinta, como a pena abriu. Era isso, vasculhar, querer estar do lado dele, algo que eu não podia. Eu invejava isso. Ficava dissecando aquele desenho de tal forma que chegou um momento que o meu desenho era uma cópia escancarada do desenho do Ziraldo. Então, tive que lidar com um conflito enorme, pois o diagnóstico de todos era o mesmo: "Esse desenho não é seu, é do Ziraldo." Aí eu pensei: "Mas como assim não é meu? É meu também." Isso virou um negócio psicanalítico mesmo. Eu me perguntava como fazer para me libertar desse "pai" que eu não pedi para ter. Chegou uma hora que tive que me esforçar para me libertar daquilo, para que alguém olhasse meu desenho e dissesse: "Esse desenho não é do Ziraldo, esse desenho é do Attílio." E isso levou muito tempo.


Fernandes - Eu estava dando uma entrevista no jornal onde trabalho recentemente, quando se comemorou o aniversário da morte do Ayrton Senna. O entrevistador, que é um amigo meu, mencionou: "Você fez a charge da época, né?" É um garotinho puxando um carrinho de corrida e chorando. Ele comentou sobre meu gosto por desenhar crianças. Quando vi aquele desenho na tela, nem me lembrava dele e pensei: "Parece um desenho do Ziraldo, com aqueles pés grandes, parecendo ferro de passar roupa." Na época, eu nem gostava de fazer esse tipo de desenho. Tive a sorte de trabalhar em uma banca de jornal e admirar vários desenhistas. Entendo muito bem o que o Attílio falou. Vi uma entrevista onde comparavam o desenho do Norman Rockwell com o de um brasileiro, o Benício, que faz os cartazes dos filmes. Alguém disse: "O Benício é um Norman Rockwell melhorado." Eu discordo. Benício é Benício, assim como Attílio não é um Ziraldo melhorado. Attílio é Attílio, pode ser até melhor que Ziraldo, mas Ziraldo é Ziraldo. Não tem como copiar Norman Rockwell, muitos já tentaram e não conseguiram, assim como não tem como copiar Ziraldo. Talvez o Mig, um pouquinho. Às vezes, você olha para o trabalho do Miguel e pensa: "Esse é Ziraldo?" Mas é o próprio Miguel.


Marcelo - Vocês têm algum personagem favorito dessa galeria que Ziraldo criou que fala mais ao coração de vocês? 


Fernandes - São tantos, são tantos! Acho que o Pererê. O Pererê é um personagem do folclore brasileiro do qual Ziraldo se apropriou e deu sua própria versão. Ele criou uma turma ao redor dele, na Mata do Fundão, inspirando-se em pessoas reais, como o Geraldinho, pai da Lorena. É mais ou menos o que Carl Barks fez com o Pato Donald: transformou um pato histérico em um universo próprio. Ziraldo fez algo semelhante com o Pererê, que originalmente era apenas um moleque travesso que andava em um redemoinho e tinha um pito de barro (...). O Pererê teve uma vida editorial incerta. Ele fez muito sucesso na sua primeira versão. A princípio, saía nas páginas do Cruzeiro como cartoon, depois virou quadrinhos e saía também pela editora do Cruzeiro naqueles gibis em formato americano, muito antes da Abril lançar o formatinho que virou padrão para quadrinhos infantis. Ele foi publicado até 1964, se não me engano, com o último número saindo exatamente quando veio o golpe militar. Eu lembro que na banca tinha a revistinha do Pererê.


Lorena - Nossa, você começou a falar e eu comecei a viajar pensando em um monte de personagens incríveis. A minha visão infantil de ler os livrinhos na infância provavelmente é muito diferente do que vocês pensam. Para mim, um personagem que foi muito marcante era o bichinho da maçã. Essa é a minha visão de criança lendo os livrinhos. Eu adoro a Nina, mas isso é porque ela é a neta dele, então é lindo ver esse livro. Quanto aos personagens, gosto dos heróis. Gosto muito do Tarzan, mas essas são ligações emocionais que não passam pela qualidade do trabalho, mas sim pelas memórias. Havia um quadro enorme do Tarzan na entrada da casa dele, e eu era criança, bem pequena. Era um quadro muito bem feito, com um desenho maravilhoso. Eu lembro de ficar olhando toda vez que ia para a casa dele. 


Attílio - O Bichinho da Maçã, na minha opinião, é o mais lindamente desenhado. Não estou dizendo que é o melhor, porque um livro não é só o desenho; é o desenho e o texto. Estou falando apenas do desenho. Acho que o Ziraldo mencionou em algum lugar que essa era uma fase em que ele estava desenhando no nível máximo. Tem umas cenas do Bichinho da Maçã, umas páginas duplas com jardins, flores e bichos, que são obras de arte. Um babuíno com textura, um elefante... é fora do comum. O Bichinho da Maçã é uma obra de arte. Bom, dito isso, o meu personagem favorito é o Jeremias. Jeremias é dessa fase do Ziraldo que é a minha preferida, da virada de uma década para outra, por volta de 1969 ou 1970. Eu adoro essa bondade inocente do Jeremias. Foi um achado do Ziraldo, porque não é uma característica que um quadrinista imprime em um personagem com tanta frequência. Ele fez dessa característica algo muito marcante e eu acho o personagem muito bem construído.



O bate-papo na íntegra em breve poderá ser visto no canal da BSP no YouTube. Acompanhe!

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